sábado, 1 de fevereiro de 2014

Entrevista com Carlos Freixo

O blog Traços de Caneta, numa parceria com os blogues Virgulas do Destino e PokéCenter Blog, fizeram uma entrevista ao grande actor Carlos Freixo no passado mês de Dezembro.
Carlos Freixo nasceu a 5 de Fevereiro de 1956. Embora seja actor "físico", os trabalhos que mais lhe são reconhecidos são os trabalhos de dobragem que começaram em com uma série dos anos 80.
Fica aqui a entrevista realizada por mim e pelo João Fadário, o meu parceiro do PokéCenter Blog e autor do blog Virgulas do Destino


Ricardo Araújo: Muito boa noite. Nós estamos aqui a fazer uma entrevista ao Carlos Freixo. Olá Carlos.

Carlos Freixo: Olá.

Ricardo Araújo: Muito obrigado por ter aceite participar nesta nossa campanhã de Natal, chamemos-lhe assim. Temos aqui algumas perguntinhas para lhe fazer. (...) O Carlos Freixo é um dos mais importantes artistas no panorama da dobragem em Portugal. Como é que entrou neste universo?

Carlos Freixo: Entrei já no século passado! Literalmente no século passado. Comecei para a RTP. Comecei na altura em que grande parte dos desenhos eram japoneses, e começaram a fazer uma série chamada "As Aventuras de Nils Holgersson", que foi a minha primeira experiência de dobragem. Nós faziamos um casting na altura, eu entrei por casting e tive a sorte de ficar logo apurado.


RA: E ainda bem! (Risos)

CF: E começamos a trabalhar com o João Lourenço. Na altura os directores de dobragem que haviam era o João Lourenço, o João Perry e o António Montez. E depois mais tarde, foi o António Feio e a seguir, fui eu. Comecei por essa ordem. (...) Depois fui convidado para dirigir e comecei a dirigir dobragens.

João Fadário: Para mim, antes de mais, é uma honra conhecê-lo pessoalmente, porque a pergunta que vem a seguir tem a haver com algo que para mim é muito especial, porque eu era um grande fã do Aramis. (Risos) Na série dos 3 mosqueteiros. (...) Em 1987, para os leitores que não conhecem, passou na RTP um anime chamado D'Artagnan, em que o Carlos Freixo deu a voz a Aramis e ao Rei Luis XIII. Quais são as memórias que tem dessa experiência?

CF: Essa foi a primeira série que eu fiz dirigida pelo António Montez, que foi onde eu comecei a ter noção do que podia ser o rigor de uma dobregem, que ainda hoje há coisas que eu sigo: não deixar uma boca com "O" passar com um "A", por exemplo. Há um certo rigor técnico e eu comecei a aprender a parte técnica precisamente nessa série. Os 3 mosqueteiros tem uma história engraçada que quando me distribuiram o papel do Aramis, não se fazia ideia nenhuma que o Aramis no final era uma mulher. De maneira que, na altura nós mudamos no final, foi a Luisa Salgueiro quem acabou a fazer de Aramis. Comecei eu e passou para ela.

(...)

RA: Em que é que o Carlos se inspira para dar voz às personagens animadas e vida às personagens de treatro?

CF: É assim: as imagens animadas baseio-me muito no original. Portanto, o original serve sempre de referência para nós. Embora eu tente criar com base no original, ou seja, nem sempre todas as personagens que faço são iguais ao que actor americano faz. Por exemplo, eu faço o Tigre do Winnie the Pooh, e essa personagem eu faço à minha maneira, assim como o Pateta eu faço à minha maneria. E eu tive cá o CEO da Disney que me disse: "You're a natural" e foi uma honra ele ter-me dito aquilo. Às vezes, mais importante que a voz, é a personagem. Mas a voz tem de se assemelhar, evidentemente! Não se pode fazer o Mickey com uma voz grossa, tem de falar sempre com aquele tom. (...) As personagens de teatro, televisão ou seja do que for tem sempre como base o guião. Qualquer guião, qualquer texto, qualquer produto escrito nós entrepertamos à nossa maneira. É por isso que quando uma pessoa diz que livro é melhor que o filme, é porque quando lêmos um livro, fazemos o filme na nossa cabeça e não será necessáriamente igual à visão do realizador. (...)

JF: Na sua opinião acha que é facil fazer dobragens? Que requisitos que um bom dobrador deve ter?

FC: Primeiro é saber intrepertar. Por isso é que nós só trabalhamos com profissionais. Quer seja na parte musical com cantores, que seja na parte de representação com actores. Se tivermos actores-cantores melhor ainda.

RA: Poupa trabalho! (Risos)

CF: Poupa trabalho, exatamente. Portanto, tem de se ter, para além duma boa capacidade interpretativa, tem de se ter uma boa voz e tem de se ter um bom sentido musical e ritmico. Eu acho as dobragens um bocado musicais. Isto tem um tempo, cada personagem funciona no seu tempo. Tem um determinado ritmo de falas, muitas vezes à quase “deixas musicais”  para uma pessoa entrar a falar. Por isso, a interpretação, musicalidade e ritmo serão o fundamental. Se uma pessoa for um excelente actor, melhor! Embora aja muitos actores que não conseguem dobrar...

JF: Não têm voz...

CF: Não conseguem. Tem a ver com o faltar o ritmo, por exemplo...nós aqui interpretamos à primeira. Eu pego num texto, se for preciso leio-o uma vez e a seguir tento interpretar o mesmo. Eu não o ensaio. Se for para o teatro, ensaio, pois tenho tempo para o fazer. A dobragem não, é uma coisa mais imediata. Para mim existem 3 tipos de memória: a memória longa, que será a memória de teatro, já que uma pessoa tem tempo para ensaiar – eu ainda hoje se quiser dizer textos de Gil Vicente, que ensaiei em 1980, consigo dizê-los a quase todos, apesar de ser muita coisa. A memória longa é a memória de teatro. A memória de televisão será uma memória média, que é o tempo de uma pessoa estudar o papel em casa, chegar lá no dia seguinte, dois dias depois ou se tiver tempo, fica uma semana a estudar o papel, e depois diz o texto, será uma memória média. Uma memória de dobragem, é uma memória curta. As memórias de televisão por exemplo, levo dois, três dias a esquecer. A memória de dobragem, se me perguntares o que fiz à bocadinho, eu já não me lembro. (Risos) Porque é imediato.

RA: Não há necessidade de estar a guardar...

CF: Não, não...que é para não queimar o disco! (Risos)

 
RA: Depois do sucesso da dobragem do Rei Leão, já que a dobragem portuguesa foi considerada a 2ª melhor versão, a nível Mundial, as dobragens da Disney ganharam uma dimensão de referência. Sente que a fasquia foi colocada demasiado alta?

CF: Não...! Nós estamos à altura! [risos] Aliás, nós procuramos melhorar, de cada vez que fazemos um produto, seja da Disney, seja do que for. Embora a Disney seja uma referência, se tivermos de fazer um produto de “menos qualidade”, não vou facilitar por causa disso. Tento dar sempre o meu melhor, seja em que produto for. O produto pode ser, em termos comuns, uma “cagada” (Risos) que eu tento dar sempre o meu melhor! (Risos)(...) Acho que a minha função, enquanto criador - já que isto é um trabalho de criação, é tentar sempre melhorar! Eu hoje se for ver “O Rei Leão” , há coisas que de certeza eu fazia de maneira diferente. Eu nunca estou contente com o que faço...

JF: Isso é muito bom! Então e que tipo de personagens gosta de interpretar?

CF: Não gosto muito de dobrar imagem real, de dobrar pessoas, embora às vezes tenha que o fazer. Gosto mais de fazer desenho animado. Dobrar imagem real é a única coisa que eu não gosto de fazer.

RA: Se não gosta, não gosta! (Risos) Qual foi a personagem que gostou mais de dobrar até hoje? E qual foi a que menos gostou?

CF: As que menos gostei, basicamente, foram todas as que fiz de imagem real. Não me convence. As que mais gostei – o Simba do Rei Leão, por motivos óbvios, foi a primeira; houve uma que passou na RTP há muito tempo, que foi a primeira que me deu imenso gozo, que foi o Patrácula. Mais tarde houve outra versão dele e eu fiquei horrorizado, mas pronto! (Risos) A nível da Disney, adoro o Phineas e o Ferb, gosto muito de fazer essa série! (...) As que mais gosto é o Baljeet e o Buford. Outras personagens da Disney: o Tigre de Winnie the Pooh, é um personagem que tem a ver comigo (Risos) e o Pateta também tem um bocado a ver comigo (Risos). A nível de publicidade, há uma personagem que eu sempre gostei muito de fazer - o coelho Quicky, do Nesquick! Sempre gostei muito de o fazer!



JF: Quando deu voz ao Mewtwo, no 1º filme de Pokémon, a série estava no seu auge em Portugal. Como viu a sua participação nesse filme, uma vez que também dirigiu os actores de dobragem, tanto nesse filme como no filme seguinte, “Pokémon 2000 – O Poder Único”?

CF: Quando a Warner Bros me contactou para o lançamento do filme, quis subir um bocadinho a fasquia da qualidade.

RA: Quis que a coisa ficasse bem feita! (Risos)

CF: Ora nem mais! (Risos) Exactamente! Eu fui buscar grande parte dos actores que já dobravam a série cá em Portugal, só que eu tento dar sempre o meu cunho pessoal na direcção de actores. A minha direcção é sempre apostada na qualidade da dobragem. Não só na qualidade técnica, porque houve uma altura em que os preços da dobragem baixaram tanto que isto começou a fazer-se de qualquer maneira. O meu desafio foi pegar nos actores que dobravam a série e fazer com que eles fizessem bem o seu trabalho. O Mewtwo é um personagem que também tem bocadinho a ver comigo. (...) O Mewtwo tem algo interessante. Passa-me um bocadinho de paz interior. Eu gostei de o fazer precisamente por causa disso. Sou uma pessoa um bocado “eléctrica”. (Risos) (...) O Mewtwo puxa-me um bocadinho pela a minha parte mais (..) serena. O que eu gostei no Mewtwo foi a serenidade.

JF: Qual ou quais as personagens que nunca dobrou, mas gostaria de dobrar?

CF: (...) Isso é uma bela pergunta! (...) Eu acho que não há assim nenhuma personagem que eu gostasse de fazer. Não sou como alguns que dizem: “Ai que eu gostava mesmo de fazer o Rei Lear antes de morrer!”. Não tenho nenhuma personagem que queira fazer, nem mesmo em teatro. Eu gosto de ir aceitando os desafios, há medida que eles me aparecem! Acho que a melhor resposta que te posso dar é – interpretar aquelas personagens que ainda não foram feitas! (Risos)

RA: Qual foi o maior desafio que teve até hoje?

CF: O Rei Leão. Sem sombra de dúvidas, o Rei Leão. (...) Embora seja a minha voz, é o nível de produto. Porque é assim: na altura ou se conseguia que a dobragem fosse um sucesso e a partir daí, abria-se assim um novo mercado em Portugal, ou então voltava-se ao Brasil. A nível de desafio de dobragem, foi sem dúvida, o Rei Leão. Tinha de ficar uma coisa muito bem feita, para mostrarmos à Disney que nós tínhamos capacidade de fazer.

JF: (...) O Carlos prefere fazer dobragens ou prefere fazer teatro?

CF: Eu gosto de fazer tudo. Gosto de fazer teatro, gosto de fazer dobragens, gosto de fazer televisão, gosto de fazer cinema...gosto de fazer tudo!  Depende é do produto! (Risos) Entre fazer boas dobragens e uma má peça, prefiro fazer boas dobragens! Entre fazer umas péssimas dobragens e uma boa peça, prefiro fazer uma boa peça! Gosto é de fazer uma coisa que seja bem feita! (Risos)

RA: Está a trabalhar em algum rojecto especifico agora?

CF: Estou a trabalhar em vários projectos especificos. Neste momento estou a trabalhar no novo filme dos Marretas, para dobrar no princípio de 2014, estou a dobrar várias séries para a televisão, estou envolvido num projecto como encenador de um musical sobre Gil Vicente, desde os Blues ao Punk Rock! Encenei o “Pranto de Maria Parda” com uns colegas meus em rock, e provavelmente  vamos fazer a 1ª parte de concertos punk com Gil Vicente, o que é uma coisa extraordinária!


JF: (...) E agora, para terminarmos, quer deixar algumas palavras aos seus fãs? Aos fãs dos seus trabalhos?

CF: Continuem a ver desenhos animados! Continuem a divertir-se! Eu quero que as pessoas se divirtam. Aliás, eu quero divertir-me! Se eu me divertir e passar a diversão para os desenhos animados, as pessoas divertem-se! E isso é o mais importante!